quarta-feira, 4 de maio de 2011

Lia

Lia não sabia muito sobre o tempo e ainda menos sobre a falta que o tempo fazia.


Tinha todo o tempo do mundo pra correr, brincar e ver tudo o que via, fazer o que queria bordando na infância sua colcha de alegria.
Entendia sim, e bastante, sobre uma tal de saudade, que é do tempo também uma fantasia.
Sabia que a saudade às vezes até doía; era assim uma vontade que no peito não cabia de ver alguém que não podia ou de fazer algo que já não fazia.
Para dar conta de tanta saudade que sentia das coisas que nem sabia, a menina inventou então uma caixinha de guardar o tempo, o tempo que melhor vivia.
Sem querer descobriu a memória que podia pescar qualquer tempo e plantar na lembrança tudo o que ela queria.
Na caixinha ia parar a folha da árvore que caía, a gota da chuva que chovia, o medo que ela escondia, os bilhetes que ela escrevia, os desenhos que ela fazia, um tempo que ela sabia que não perdia, a imensidão dos sentimentos que ela vivia e a história da vida que ela tecia.
Lia guardou o tempo, que passou também para ela, agora, depois dos filhos, netos e bisnetos, muitas coisas ela já sabia e ainda aprendia.
Na caixinha de guardar o tempo, Lia juntou poesia e fotografia com as flores que sempre colhia, com os sonhos que ela nunca adormecia. 
E tudo o que sentia era a imensa alegria de ter guardado com carinho o melhor de cada dia!


Alessandra Pontes Rascoe é autora de A Menina que Pescava Estrelas, O Jardim Encantado, A Fada Emburrada e O Jacaré Bilé. A escritora adora dar rasteiras no tempo para ver se, assim, ele dura mais

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