quinta-feira, 14 de abril de 2011

Bichonário - Kiwi

VIAJOLOGIA
Nova Zelândia: viagem ao país dos kiwis
A luta para salvar espécies raras, ameaçadas pelos invasores
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Haroldo Castro

Papagaio curioso: O kea (Nestor notabilis) é um papagaio das montanhas e de clima frio da Ilha Sul do país. Bastante curioso, ele interage com os seres humanos. Seu nome nativo lembra o som agudo que emite(kiia). A população de keas é estimada entre mil e cinco mil pássaros

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Texto e fotos: Haroldo Castro
A palavra kiwi possui três significados. Você já deve ter ouvido falar de um deles, aquela fruta que parece uma batata cabeluda por fora e é verde- esmeralda por dentro. A fruta, originária da China, pediu o nome emprestado ao pássaro kiwi, um dos animais mais inusitados da Nova Zelândia. O pássaro é símbolo nacional do país e os neozelandeses escolheram esse mesmo nome como apelido para eles próprios.

A história dos kiwis está intimamente relacionada com a evolução das ilhas que, hoje, levam o nome de Nova Zelândia ou Aotearoa, em linguagem nativa maori. Essas terras se separaram da Austrália e do supercontinente Gondwana há 80 milhões de anos, não trazendo consigo nenhum mamífero terrestre ou serpente. Os pássaros de Aotearoa seguiram uma trajetória evolutiva totalmente singular.

Dos países e territórios que estavam na minha lista para serem visitados com urgência, Nova Zelândia era uma das mais altas prioridades; principalmente por ser um hotspot de biodiversidade – uma área crítica para a conservação, tema do meu cotidiano profissional. A oportunidade para preencher essa lacuna no meu currículo de viajologia surgiu quando fui convidado para filmar – ao lado do estudante de ornitologia John Mittermeier, entre outros – os pássaros endêmicos mais importantes do país, incluindo o kiwi.

Apesar de seus 20 anos de idade, John tem um olho de águia para encontrar pássaros. Seu pai, Russell, presidente da ONG Conservação Internacional, gaba-se como uma coruja: “Ele já observou mais de quatro mil aves na natureza.” O filho é mais humilde e responde: “Apenas 3.500 e pouco” – um número mesmo assim considerável, pois o universo de aves é de cerca de 9.800 identificadas. A lista de espécies a serem observadas na viagem parecia uma salada onomatopéica: kakapo, kokako, kaka, kea, weka e takahe.

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Haroldo Castro

Pássaros raros: Acima (daesq. para a dir.):o Kakapo (Strigops habroptilus) um papagaio noturno que não voa; o kiwi marrom (Apteryx mantelli), único pássaro a ter fossas nasais na ponta do bico; e o kokako (Callaeas cinerea), cuja população hoje não chega a mil indivíduos. Abaixo:: o kaka (Nestor meridionalis), espécie que só existe na Nova Zelândia; e o takahe (Porphyrio mantelli), que está que está conseguindo sobreviver, embroa há 60 anos cientistas já o considerassem extinto; e o oweka (Gallirallus australis), que apesar de ser endêmico e protegido, também se tornou uma ameaça a espécies ainda mais raras

O takahe é uma história de sucesso de conservação. Até 1948, acreditava-se que o animal estivesse extinto. Naquele ano, alguns pares foram reencontrados nas montanhas Murchison, em Fiordland. Entretanto, na mesma época, foram introduzidos veados na região que começaram a competir pelo mesmo alimento, tornando-se a ameaça mais séria para o takahe. O Departamento de Conservação (DoC, sigla em inglês) conseguiu controlar os veados e hoje cerca de 130 pássaros vivem em Fiordland e outros 70 no resto do país.

Apesar da garoa, decidimos visitar os takahes. Subimos a encosta da colina Burwood com a camionete do DoC. Quando a estrada terminou, embora a chuvinha tenha se transformado em chuva grossa, continuamos a pé pela trilha do morro. No topo, o vento apareceu e, apesar de estarmos em pleno verão austral, o frio também. Mas já não podíamos regressar, pois ver os takahes era mais importante.

Com os pés encharcados e gelados, alcançamos a cerca que separa os takahes do mundo das espécies invasoras. Foi também quando a chuva se transformou numa tempestade de granizo. Tudo ficou branco em poucos minutos. A temperatura caiu a quase zero grau. Eu não podia acreditar – para um brasileiro, verão é outra coisa. Um dos integrantes do grupo resvalou numa poça d’água e, para não se espatifar no chão molhado, se segurou na cerca – ela estava eletrificada! Um belo susto.

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Haroldo Castro

Um paradoxo: Vista área da ilha Codfish, onde os kakapos podem ser encontrados

Depois de tantos imprevistos, conseguimos encontrar os takahes. John Mittermeier estava deslumbrado: “Imagine só, estamos vendo seis pássaros de uma espécie da qual existem apenas 200 indivíduos!” Os cliques fotográficos fizeram com que esquecêssemos o frio. As aves de bico vermelho e penas azuis e verdes deram um show. Primeira missão cumprida.

O takahe, o kiwi e vários outros pássaros endêmicos da Nova Zelândia deixaram de voar há alguns milhões de anos. Sem predadores, as aves decidiram que era mais simples buscar comida no solo. E os pássaros, gordos e preguiçosos, esqueceram que podiam voar.

Quando os seres humanos (primeiro os maori, há 800 anos; depois os europeus) chegaram nessa terra virgem, trouxeram consigo animais domésticos. Ratos, gatos, cachorros e gambás viraram pragas. São as temíveis espécies invasoras. As aves terrestres, impossibilitadas de voar, passaram a ser presa fácil. Os agressores destruíram ninhos, comeram ovos, devoraram filhotes e mataram os adultos. Recentemente um cachorro massacrou cinco kiwis em uma só noite.

A Nova Zelândia é líder em pesquisas e ações contra as espécies invasoras. Uma saída foi separar as aves raras desse mundo hostil, construindo cercas que não permitem a entrada dos vilões. Outra solução foi reservar para as aves endêmicas pequenas ilhas exclusivas, expurgando-as dos predadores.

Depois de observarmos os dois papagaios neozelandeses kaka e kea – essa dupla daria um bom desenho animado – e uma dúzia de espécies só avistadas no país, nosso objetivo final era encontrar o kakapo. John sonhava: “Imagine um papagaio que não voa, que é noturno e pesa quatro quilos.”

Poucas pessoas têm a oportunidade de ir à ilha Codfish, pois a visitação é restrita. Lá vivem 54 dos 86 kakapos que existem no mundo. Para que a ilha continue livre de pragas, passamos por um minucioso exame. Solas de sapatos, bainhas de calças e velcros foram inspecionados. Todas as nossas bolsas, caixas e malas foram revisadas para que não levássemos para Codfish sementes estranhas ou até mesmo um camundongo de contrabando. O vôo de helicóptero, liberado pelo DoC, foi realizado em 18 minutos.

Se o granizo me havia atormentado alguns dias atrás, eu estava agora ainda mais preocupado. A chuva continuava já por uma semana, sem parar. Nessa região chove mais de 200 dias por ano. Codfish, ao largo da ilha Stewart, está situada a 46 graus de latitude sul, ou seja, na mesma altura da Patagônia. Pior: não existem terras entre a ilha e a Antártica.

As 31 fêmeas e 23 machos kakapos estão espalhados por Codfish, uma ilha de apenas 1,5 km 2 . Os pássaros são tão conhecidos pela equipe de pesquisa que cada um tem seu nome próprio. Mesmo sob chuva, saímos em busca dos kakapos. Como cruzaríamos riachos e subiríamos trilhas na lama, preferi pedir emprestado um par de botas a um dos pesquisadores.

Meia hora mais tarde, me dei conta da burrada que tinha feito. “Nunca caminhe com sapatos que você não conhece”, zombava Russell Mittermeier, lembrando uma regra de viagem. Como se não bastasse o esforço da subida e estar todo molhado de chuva, meus pés me avisavam que duas bolhas estavam prestes a arrebentar. Meu ego de aventureiro estava mais baixo que a temperatura. Eu me sentia um viajólogo novato, um aventureiro de primeira viagem. E toda essa caminhada de cinco horas de sofrimento, para nada. Não encontramos nenhum kakapo. Afinal, eles são noturnos.

À noite, com os pés enfaixados e de volta ao meu par de tênis, saímos em busca do tal do papagaio noturno. “Vamos ver Pura, uma fêmea de dois anos de idade. Cem por cento garantido que a encontraremos”, disse confiante Paul Jansen, responsável no DoC pelo programa de proteção da espécie.

De fato, Pura estava ali no chão, onde Paul havia previsto, como se esperasse pelo grupo. John não podia acreditar. “Com essas plumas suaves, parece mais uma coruja. Ou até mesmo um pássaro pré-histórico. É realmente um animal grande e gordo.” Por um momento, concentrado em seguir o kakapo pelo chão da floresta com a câmera, parei de pensar nos azares do dia e me dei conta do quanto eu era privilegiado por estar frente a frente com uma espécie raríssima, criticamente ameaçada de extinção. “Só existem 86 pássaros como este no mundo”, repeti para mim mesmo.

Embora a Nova Zelândia conte com uma longa lista de animais já extintos – em particular o moa, uma ave gigante de três metros de altura e 250 kg que desapareceu há cinco séculos –, o país se orgulha de ser extremamente dedicado à proteção da biodiversidade. De fato, é a única nação que possui, além de um Ministério do Meio Ambiente, um segundo ministério dedicado exclusivamente à conservação.

No final da viagem, encontramos o ministro da Conservação, Chris Carter, que busca unir crescimento econômico e proteção da natureza. “O turismo é hoje o setor mais forte da nossa economia, a maior fonte de divisas. Milhões de turistas vêm ao país atraídos pelas paisagens de nossos parques nacionais”, afirmou Carter, explicando também que a Nova Zelândia investe por ano cerca de 300 milhões de dólares neozelandeses (500 milhões de reais) em conservação. “A conservação da biodiversidade é um bom negócio”, concluiu o ministro.

Pode fazer um tremendo frio na Nova Zelândia, mas os kiwi estão fazendo um belo trabalho!

A Nova Zelândia é um dos 221 países e territórios que constam do Teste de Viajologia Mundial.

Haroldo Castro, fundador do Clube de Viajologia e vice-presidente de comunicação da ONG Conservação Internacional, viajou à Nova Zelândia pela primeira em 2006 e está envergonhado de ter demorado tanto tempo para ter visitado o país dos kiwis
CLUBE DE VIAJOLOGIA Texto e fotos: Haroldo Castro haroldo@viajologia.com.br
www.viajologia.com.br






Blog de vidaselvagem :Vida Selvagem, Aves de Solo - Kiwi ou tokoeka

O kiwi tem algumas particularidades que o diferem da maioria das aves. Suas narinas se localizam na extremidade do bico e não na base (no detalhe), fato que favorece ainda mais o seu olfato e o ajuda a encontrar as suculentas minhocas que fazem parte de sua dieta (A). De aparência atarracada, o kiwi ao caminhar se assemelha muito a um porco-espinho (B). A espécie é monogâmica, sendo o macho quem se incumbe de chocar os ovos – por sinal, os maiores do mundo em proporção ao tamanho da ave (C).

Sem dúvida um dos mais curiosos integrantes do seleto grupo das aves de solo é o kiwi (Apteryx australis). Esse misterioso pássaro de hábitos noturnos com aparência atarracada, muito semelhante a um porco espinho, é nada mais nada menos do que a ave símbolo da Nova Zelândia tendo sua imagem estampada nas moedas e selos do país. A espécie chama a atenção não só devido à estranha aparência, mas também por causa de outras características incomuns, diferente de todas as outras aves: a começar pelo bico que é longo e ligeiramente recurvado para baixo e com as narinas na extremidade – algo esquisito, já que na maioria das aves as narinas localizam-se na base do bico. Contudo, as excentricidades do kiwi não param por aí! Todos acham que a ave que bota o maior ovo é o avestruz, não é? Pois bem, saiba que na verdade o recordista em matéria de postura é o ilustre kiwi. Isso mesmo. A fêmea da espécie faz a árdua postura de um a dois ovos por ano os quais medem 14 x 7,5 cm, em média, e pesam quase ½ quilo cada. Isso torna o kiwi a ave dona do maior ovo do mundo em proporção ao seu tamanho. Depois de tamanho esforço da companheira é o macho quem assume a responsabilidade de chocá-los.

O kiwi é uma ave tímida e esquiva. Durante o dia refugia-se num buraco no chão, ou se abriga junto às raízes das árvores. Infelizmente por causa da interferência humana ele está muito próximo de desaparecer das florestas neozelandesas. Os primeiros colonos introduziram na ilha a doninha e o furão que causaram grande impacto na fauna local, principalmente, na população dos kiwis que por não conseguirem voar se tornaram presas fáceis dos mamíferos invasores.

Como sua visão é fraca, o kiwi orienta-se, sobretudo, pelo olfato e pela audição. A conformação de seu bico com as narinas lá na extremidade certamente o auxiliam, e muito, na atividade de encontrar e arrancar as minhocas do solo (aliás, esses vermes são seu principal alimento); porém, também não despreza aranhas, gafanhotos, larvas e, ocasionalmente, pequenos frutos. O casal permanece unido a vida inteira, sendo a fêmea ligeiramente maior do que o macho. Para se ter uma idéia seu tamanho é algo maior do que um galo.

O kiwi é chamado pelos nativos da Nova Zelândia de tokoeka. Em sua área de distribuição já muito restrita são encontradas as seguintes subespécies:Apteryx mantelli, Apteryx owenii e Apteryx haastii.



José Henrique Moskoski
Escritor e Pesquisador de Vida Selvagem

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